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Silêncio que adoece

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Por que os homens têm medo de procurar ajuda psicológica?
Reportagem/Jherry Dell’Marh
Sempre fui o tipo de homem que guarda tudo pra si. Aqui na Madre Deus, a gente cresce ouvindo que homem tem que aguentar calado, que problema se resolve tomando uma cerveja ou indo pra rua conversar. Só que chega uma hora que o peso fica grande demais, desabafa João Lisboa Lima, de 37 anos.
Eu não durmo direito, vivo cansado e, às vezes, sinto uma angústia que não sei nem explicar. Já pensei em procurar um psicólogo, mas logo me vem aquele medo: e se acharem que eu tô ficando doido? Ou que sou fraco? Tenho vergonha de comentar isso com meus amigos.
No fundo eu sei que preciso de ajuda. Só ainda não sei como vencer essa barreira dentro da minha cabeça. Queria poder falar sobre o que sinto sem medo do julgamento, sem precisar fingir que está tudo bem o tempo todo. Acho que o preconceito que mais me prende é o meu próprio.” Vergonha que fez “João” pedir para trocar o verdadeiro nome por um fictício para ter coragem de compartilhar seu depoimento.
Esse relato traduz a realidade de muitos homens que, mesmo reconhecendo a necessidade de ajuda, ainda hesitam em procurar ajuda profissional. Mesmo com a multiplicação de conteúdos sobre saúde mental nas redes sociais e na mídia, a procura por tratamento psicológico continua marcada por medo, vergonha e preconceito.
Os reflexos desse silêncio aparecem também nas estatísticas. Em 2024, o Maranhão registrou 3.997 afastamentos de trabalhadores por causa de transtornos mentais, como ansiedade e depressão, segundo dados do Ministério da Previdência Social. No Brasil, foram 472.328 licenças médicas concedidas pelo mesmo motivo — um aumento de 68% em relação ao ano anterior. Os números evidenciam que o sofrimento mental tem crescido, mas o acesso e a busca por ajuda profissional ainda esbarram em barreiras profundas.
Para o psicólogo Jediael Abreu, a decisão de buscar ajuda não depende apenas do acesso à informação.“Ter mais conteúdo disponível não significa que a pessoa vai iniciar tratamento. Existem barreiras internas, sociais e estruturais que freiam a procura”, explica.
Entre estas barreiras, a mais comum é a ideia de “resolver sozinho”. Pesquisas internacionais apontam que, mesmo quando alguém reconhece precisar de ajuda, cerca de 64% preferem lidar com os problemas sozinhos. Outro fator é a percepção de que o sofrimento não é grave o suficiente para justificar a terapia, especialmente em quadros leves e moderados.
O estigma também segue como obstáculo. Muitos têm medo de ser rotulados, de que sua condição se torne pública ou de enfrentar consequências no trabalho ou na escola. Segundo Abreu, o impacto do estigma é maior entre homens, jovens e grupos minoritários. “O estigma importa, mas ele não é o único freio. Crenças pessoais e barreiras práticas, como custo e tempo de espera, podem pesar ainda mais”, afirma.
Além disso, fatores culturais e sociais moldam o comportamento de busca por ajuda. Normas de masculinidade que valorizam a autossuficiência reduzem a procura entre homens, enquanto crenças familiares e religiosas podem direcionar a pessoa para apoio moral ou espiritual em vez de tratamento profissional. Ambientes de trabalho e escolares pouco acolhedores também desestimulam a adesão à psicoterapia.
“É preciso ir além da informação. Reduzir o estigma, facilitar o acesso, adaptar o cuidado e garantir experiências terapêuticas claras e confidenciais são passos fundamentais”, destaca Abreu. Segundo ele, a psicoterapia deve ser reconhecida como um cuidado essencial, acessível no SUS, nas escolas, no ambiente de trabalho e também online. “Quando a terapia é vista como parte da vida, e não como um sinal de fraqueza, o tratamento deixa de ser tabu e se torna um caminho de cura”, conclui o psicólogo.
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