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Violência doméstica: por que elas defendem quem as agride?

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Dependência emocional, manipulação psicológica e pressão social ainda prendem mulheres maranhenses em ciclos de violência, mesmo diante de agressões graves
Reportagem/Jherry Dell’Marh
Aos 31 anos, Andressa Melo (nome fictício), moradora de um bairro nobre em São Luís e mãe de três filhos, guarda na memória uma dor que não se apaga. Durante sete anos, viveu sob agressões físicas, violência sexual, humilhações constantes e controle financeiro. “Eu tinha medo de dormir e de acordar. Passava o dia tentando adivinhar qual ia ser o motivo da próxima violência”, relembra.
Entre os ataques emocionais, as palavras eram usadas como arma. “Ele dizia que, se saísse da relação, nunca conseguiria emprego nenhum, que ninguém me contrataria por eu ser mãe de três filhos e não ter qualificação profissional. Eu comecei a acreditar que realmente não servia para nada”, conta.
A violência sexual também era acompanhada de intimidações cruéis. “Ele dizia que podia fazer comigo o que quisesse, porque eu era mulher dele. E ainda completava que, se eu não obedecesse, ele iria procurar fora de casa. Isso destruía minha cabeça. Eu me sentia obrigada, como se meu corpo não fosse meu’, recorda.
Mesmo diante de agressões tão graves, durante o relacionamento Andressa retirou queixas, cancelou medidas protetivas e chegou a defender o agressor. “Eu dizia para a polícia que estava tudo bem e que tinha sido uma briga casual, mas nada estava. Acho que eu tinha medo. Medo de morrer, medo de ficar sozinha, medo de não dar conta dos meus filhos”, diz.
O ataque que a fez romper o silêncio foi desencadeado por um bife mal passado. Daquela vez, a brutalidade foi tão grande que ela teve a certeza de que não sobreviveria. “Quando ele veio pra cima de mim, eu vi nos olhos dele que era o fim. Só pensei nos meus filhos. Foi aí que eu decidi que não ia morrer calada”, relata. Foi só então que ela contou tudo à família e buscou acolhimento na Casa da Mulher Brasileira. “A primeira vez que me escutaram sem me culpar, eu desabei. Descobri que eu era vítima, não culpada”, constata.
A saga de Andressa é a realidade de muitas mulheres maranhenses que, presas pela dependência emocional, pela manipulação psicológica e pelo medo, acabam defendendo quem as agride. O ciclo é difícil, mas possível de romper quando existe apoio, escuta e proteção.
POR QUÊ?
O professor do curso de Psicologia da Estácio, Jacques Alastair, explica que essa pergunta precisa ser entendida dentro de um contexto social, cultural e emocional que atravessa as vítimas. Segundo ele, um dos principais desafios enfrentados é a revitimização, que ocorre quando a sociedade e até familiares culpabilizam a mulher pela violência sofrida. “Alguns discursos errôneos persistem. As pessoas dizem, por exemplo, que homem é assim mesmo e as mulheres devem aguentar, ou que ‘no fundo’ os agressores são boas pessoas. Esse tipo de julgamento fragiliza ainda mais quem já está emocionalmente abalada, reforçando a dependência e o sentimento de incapacidade”, explica Jacques.
Além do peso emocional, há também a dependência financeira, que aprisiona muitas mulheres. A dificuldade de inserção no mercado de trabalho e a falta de autonomia econômica tornam ainda mais complexo romper o ciclo de violência. No Maranhão, esse cenário é agravado por desigualdades sociais e pelo isolamento que atinge especialmente mulheres com filhos pequenos, baixa escolaridade ou sem rede de apoio.
De acordo com os dados do Mapa da Violência Pública 2025, do Governo Federal, cerca de 72% das mulheres no estado afirmam ter pouco conhecimento sobre esse mecanismo fundamental de proteção, criado para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Segundo o Painel da Violência Doméstica do Conselho Nacional de Justiça, no primeiro semestre de 2025, foram concedidas 13.004 medidas protetivas no Maranhão. Ainda assim, os números do Mapa revelam que 74% das mulheres não solicitaram proteção e 67% conhecem pouco sobre o mecanismo.
MEDO
Quando a violência chega ao conhecimento das autoridades, o “aprisionamento emocional” aparece de forma clara. De acordo com Jacques Alastair, não é raro que a mulher tente minimizar a agressão diante da polícia. “Mulheres que já foram submetidas a agressões anteriores, ameaças diretas e pressão psicológica podem cancelar medidas protetivas mesmo com risco iminente. Promessas de mudança ou até ameaças de morte influenciam no comportamento da vítima”, destaca o professor.
O psicólogo afirma que policiais, equipes de saúde, vizinhos e familiares precisam abandonar julgamentos e interpretar a situação de maneira integral. “A defesa do agressor não é escolha consciente, mas sim o resultado de anos de violação de direitos, baixa autoestima e manipulação. Culpar a vítima só prolonga o sofrimento”, reforça.
Como romper o ciclo de violência
O professor explica que o gaslighting, forma de abuso psicológico muito presente nos casos de violência doméstica, faz com que a mulher duvide da própria sanidade. Na prática, é quando o marido diz frases como “você está ficando louca”, por exemplo. Os danos a longo prazo, de acordo com o profissional, incluem ansiedade, depressão, isolamento social e perda total da autoconfiança. Todos esses são elementos que dificultam ainda mais a saída do ciclo abusivo.
Não existe solução única, mas, segundo Jacques, algumas estratégias são essenciais em qualquer caso: evitar a revitimização, fortalecer redes de apoio, promover políticas públicas de emprego e renda, garantir escuta qualificada, sem julgamentos e oferecer acompanhamento psicossocial contínuo.
“O rompimento é possível, mas ele não acontece sozinho. É preciso acolhimento, políticas públicas, informação e profissionais capacitados para que mais mulheres consigam se libertar e reconstruir suas vidas”, ressalta o professor.
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